Tô a meia-hora tentando escrever esse texto sobre ser escritor. Pensei em algo muito bacana e comecei a passar raiva com a propaganda de alguém dizendo que vai me ensinar a escrever o meu primeiro best-seller em noventa dias - Tudo isso?
Acordei numa manhã qualquer, esperando que algum emprego tenha caído do céu ou me ligado para alguma entrevista. Ainda deviam ser quase cinco da manhã, e meu problema de insônia por conta do desemprego havia voltado.
Os sintomas do desemprego eram bem fortes em mim. Dores de cabeça. Sensação de ser um lixo. Falta de sono à noite e vontade de dormir de dia.
Acordei olhando para os currículos numa pasta sobre a penteadeira que ficava no quarto que eu dividia com minha irmã mais nova.
Ao lado da pasta estava o primeiro manuscrito do meu primeiro romance.
Naqueles dias, ser um escritor era o que eu mais queria. Não sei o motivo. Mas queria escrever um livro. Só finalizar aquele já estava bom demais. Só terminar.
Às oito da manhã eu já estava na porta das empresas deixando um envelope marrom nas mãos dos porteiros. Experiência? Zero. CNH? Tenho. Dirigir? Não sei. Sim, irônico não é.
Nas vezes mais positivas conseguia uma entrevista no momento de entregar o currículo. Sou comunicativo. Isso, comunicação é uma qualidade, não é? Minha fraqueza? Esses seus olhos castanhos.
Sem um centavo para o ônibus, o que eu poderia fazer era caminhar debaixo de um sol de fritar. Protetor solar 100. Check. Camisa social com mangas longas. Check. Calça preta porque não gosto de jeans. Check. Ser ruivo com sardas, significando um pezinho pro câncer de pele. Check.
Chegar em casa parecendo uma salsicha em conserva com dor de cabeça e com dois envelopes na pasta, não tem preço. Talvez uns quatro e cinquenta que era a passagem do ônibus. Mas não tem preço.
Tomo um banho e sento para escrever meu romance. Escrevo como se soubesse o que estava fazendo. Nesse período sem redes sociais dominadas por gurus, ninguém está cuspindo na minha cara que dá pra viver da escrita.
Nem mesmo dizendo que vai me ensinar a escrever um best-seller em noventa dias.
Se você que está lendo isso tem algum curso prometendo algo referente à escrita. Peço desculpas desde já. Pois falarei como odeio pessoas que fazem cursos prometendo algo referente à escrita.
Sim, isso, o sujeito suado, vestindo preto como se tivesse voltando de um velório, mas na real estava entregando currículos, não gosta de gurus.
Você pode me dar 50% de desconto. Pode dizer que depois do seu curso mudarei de vida. Pode me prometer uma liberdade financeira escrevendo por aí. Pode prometer que após seu curso serei um escritor. Mas o que é ser escritor?
Quantos livros preciso ter? Você, possível guru de escrita, tem quantos? Lançou quando antes de fazer um curso sobre escrita?
Se para ser escritor preciso ter um livro, cade o seu? Quando publiquei meu primeiro livro, olhei para aquele monte de páginas coladas, “é isso, boa, agora vou fazer outro”.
No meu segundo livro, não consegui dizer com todas as letras que era um escritor. Quando lancei o terceiro, “sou só um cara que conta histórias”.
Mega questão difícil de responder. Enquanto passava a caneta no caderno velho do governo, desenhando letra por letra enquanto contava a história daquele primeiro livro que eu queria ter finalizado, fico pensando se um dia eu seria um escritor.
Mas que merda é ser um escritor? Depois de mais de trinta contos. Mais de três livros. Mais de sei lá quantos textos aleatórios publicados. Será que sou escritor?
Fui pago para fazer um TCC certa vez. Única vez que fiz esse tipo de trabalho. Li uma caralhada de coisas, depois escrevi meus pontos de vista usando textos de outros lugares para defender meu argumento. Pesquisa, pensamento e escrita.
Num curso de escrita, o professor falou que escrever era dividido em três pontos. Pesquisa. Pensamento e escrita.
Quando escrevi meu primeiro romance - o primeiro que publiquei mesmo - pesquisei umas coisas, pensei em outras e escrevi. Isso faz de mim uma pessoa que escreve.
Uma pessoa que escreve = (talvez) escritor?
Após o banho e querendo dormir e rezando para não ter pego uma insolação. Penso que poderia sentar e escrever um pouco. Finalizar aquele romance que estava levando mais de quatro anos para finalizar.
Puxo a cadeira de madeira que era da cozinha. Sento e abro a página em branco do caderno de folhas marrons(?). Bocejo. Levanto e me jogo na cama. Não será dessa vez que finalizarei. Nem dessa e nem nos próximos anos.
Quem sabe um dia eu seja um escritor. Agora não.
antes de acabar quero deixar algo útil
o dólar está: R$4.87.
Com o risco de soar motivacional, diria para você não permitir que pessoas que te exijam uma chancela tenham tanto poder, ou influência, no que você faz ou deixa de fazer.
— Dimitri Vieira
você não entende muita coisa, mas faz sentido. na sua caixa de e-mail às quintas, o famoso crepúsculo da semana. ideias aleatórias como um vampiro que brilha.
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Difícil... Acho engraçado como a sociedade tem esse péssimo hábito de gourmetizar (adoro essa palavra, parece que dá pra comer) algo tão específico do ser humano, que é a escrita. E faz isso a TAL PONTO de tornar quase que inválido às vezes. Escrever não devia ser tão burocrático assim. Não precisava ser válido pra Academia alguma. Mas a sociedade se estabeleceu assim... Não basta ser você e o que escreve, tem que cair na graça alheia pra aí sim te dar um carimbo de que vale a pena.
Ps. Gente que vende curso de como dar curso tá foda.